Era uma vez... João e Maria

19 fevereiro 2016


Perto de uma grande floresta viviam um lenhador pobre, sua esposa e seus dois ilhos. O menino se chamava João e a menina se chamava Maria. Eles sempre tiveram muito pouco para comer, mas, certa vez, quando houve uma grande fome na terra, o homem já não conseguia sequer ganhar o pão de cada dia. Uma noite, enquanto se revirava na cama pensando sobre o assunto, ele suspirou profundamente e disse à esposa: 

– O que será de nós? Não conseguimos nem alimentar nossos filhos. Não sobrou nada para nós. 
– Eu lhe digo o que faremos, marido – a mulher respondeu. – Levaremos as crianças para a floresta amanhã bem cedo, no lugar onde o mato é mais espesso. Faremos uma fogueira e daremos um pedaço de pão a cada um. Então iremos para o nosso trabalho e os deixaremos lá. Eles jamais encontrarão o caminho de volta, e assim nos livraremos deles. 
– Não, mulher! – o homem exclamou. – Não posso fazer isso. Não consigo nem imaginar a ideia de levar meus filhos à floresta e deixá-los lá sozinhos. Logo eles seriam devorados pelas feras. 
– Você é um tolo – ela protestou. – Vamos todos morrer de fome. É melhor providenciar já os caixões. – E não lhe deu sossego até que ele concordasse com o plano. 
– Mas tenho muita pena das crianças – disse o homem. 

Como estavam famintos, os dois irmãos não conseguiam dormir e acabaram ouvindo tudo o que a madrasta dissera ao seu pai. Maria chorou de tristeza e disse a João: 

– É o nosso fim. 
– Fique calma, Maria. Eu vou dar um jeito nisso. 

Quando os pais adormeceram, João se levantou, vestiu seu casaquinho, abriu a porta dos fundos e esgueirou-se para fora. A lua brilhava no céu, e as pedrinhas brancas em frente da casa cintilavam como moedas de prata. João recolheu-as e encheu o bolso com elas. Então entrou em casa e disse a Maria: 

– Sossega, irmãzinha, e durma tranquila, pois Deus não nos abandonará – e voltou a deitar-se. 
Nas primeiras horas da manhã, antes de o sol nascer, a mulher acordou as duas crianças. 
– Acordem, preguiçosos. Vamos para a floresta cortar lenha – ela ordenou. 
E então deu a cada um um pedaço de pão. 
– É para o jantar – disse-lhes. – Não comam antes, porque não temos mais. 

Maria colocou os pães debaixo do avental, pois João levava os bolsos cheios de pedrinha. Partiram todos juntos para a floresta. Quando haviam caminhado um tanto, João parou e virou-se na direção da casa. Fez isso várias vezes. Por fim, seu pai lhe perguntou: 

– João, para o que você está olhando? Ande para a frente, menino. 
– Mas, pai – João disse –, estou olhando para o meu gatinho, que está no telhado para me dizer adeus. 
– Não seja bobo – a mulher o repreendeu. – Aquilo não é o gato, mas o sol batendo na chaminé. 

É claro que João não estava olhando para o gatinho. Na verdade, ia tirando as pedrinhas do bolso e jogando-as pelo caminho. 
Quando chegaram ao meio da floresta, o pai pediu aos filhos que fossem pegar madeira para acender uma fogueira e se aquecer. João e Maria fizeram um pequeno monte com galhos e acenderam o fogo. E então a mulher ordenou: 

– Agora deitem-se ao lado da fogueira e descansem, crianças. Eu e seu pai vamos cortar lenha. Quando terminarmos, viremos buscá-los. 

João e Maria sentaram-se ao lado do fogo e, ao meio-dia, comeram seus pedaços de pão. Eles achavam que o pai ficara na floresta o tempo todo, pois pensavam ouvir o barulho do machado, mas na verdade o ruído vinha de um galho pendurado em uma árvore ressecada, que o vento fazia balançar para lá e para cá. Depois de um tempo longo, seus olhos se fecharam de cansaço e eles adormeceram. Quando acordaram, já era noite. Maria começou a chorar: 

– Como vamos sair desta floresta? 
Mas João a confortou: – Espere um pouco mais, até a lua surgir. Então encontraremos facilmente o caminho de casa. 

Quando a lua cheia se levantou no céu, João pegou a irmãzinha pela mão e os dois seguiram a trilha de pedrinhas brancas que brilhavam ao luar e iluminavam o caminho de casa. Passaram a noite inteira andando. Ao raiar do dia, chegaram à casa do pai e bateram na porta. A madrasta atendeu. Quando ela viu João e Maria, disse: 

– Mas que crianças levadas! Por que ficaram tanto tempo dormindo na floresta? Pensamos que vocês não mais voltariam. 

O pai ficou feliz, pois estava com o coração doendo por tê-los deixado sozinhos na floresta. Não tardou muito para que outra fase de escassez voltasse, e as crianças ouviram a madrasta dizer ao pai, à noite, na cama: 

– Acabou a comida. Temos apenas meio pão. Chega. As crianças devem ir embora. Dessa vez vamos penetrar ainda mais na floresta, para que não consigam achar o caminho de volta. Essa é a nossa única opção. O homem ficou triste. 
– Seria melhor dividirmos o último bocado com eles – respondeu ele. 

Sua mulher, porém, não queria saber e o repreendeu. Quando um homem cede uma vez, acaba cedendo de novo. 
As crianças não estavam dormindo e ouviram toda a conversa. Quando os pais adormeceram, João se levantou para recolher mais pedrinhas brancas do que na primeira vez, mas a madrasta tinha trancado a porta e ele não conseguiu sair. João consolou a irmãzinha, dizendo: 
– Não chore, Maria. Vá dormir que Deus vai nos ajudar. 

Na manhã seguinte, a mulher tirou as crianças da cama bem cedo. Ela deu um pedaço de pão para cada um deles; menos do que antes. A caminho da floresta, João esmigalhou o pão e guardo-o no bolso. De tempos em tempos ele parava para jogar no chão uma migalha. 
– João, por que você fica aí parado? – perguntou o pai. 
– Estou olhando a pombinha sentada no telhado – João respondeu. 
– Que bobo! – a mulher protestou. – Não é a pomba, mas o sol da manhã batendo na chaminé. 

João continuou andando e espalhando migalhas de pão pela estrada afora. A mulher levou as crianças até o coração da floresta, onde nunca eles haviam estado. Mais uma vez fizeram uma fogueira e a madrasta disse: 
– Sentem-se crianças. Quando se cansarem, podem dormir. Nós vamos cortar lenha e à noite viremos buscá-los. 

Ao meio-dia Maria dividiu com João seu pedaço de pão, uma vez que o outro fora espalhado ao longo do caminho. Então eles dormiram e a tarde passou. Ninguém foi buscar os pobrezinhos. Quando eles acordaram, já era noite. João consolou a irmãzinha, dizendo: 
– Espere um pouco Maria, só até a lua aparecer. Então conseguiremos ver as migalhas de pão que deixei pelo caminho. 

Quando a lua surgiu no céu, eles se levantaram, mas não acharam nenhuma migalha de pão, pois os pássaros haviam comido todas elas. João pensou que ainda assim eles achariam o caminho de volta, mas isso não aconteceu. Os irmãos caminharam toda a noite e todo o dia seguinte, mas não conseguiram sair da floresta. Eles estavam famintos, pois a única coisa que tinham para comer eram algumas frutinhas silvestres. Quando se sentiram cansados a ponto de não conseguir dar mais nem um passo, deitaram-se embaixo de uma árvore e adormeceram. 
Aquela era a terceira manhã desde que haviam deixado a casa do pai. Estavam tentando voltar para lá, mas afundavam cada vez mais na floresta. Se não encontrassem socorro rapidamente, morreriam de fome. 
Perto do meio-dia, João e Maria avistaram um lindo passarinho branco empoleirado em um galho. O bichinho entoava uma melodia tão doce que eles pararam para escutar. Assim que terminou de cantar, a ave abriu as asas e voejou na frente das crianças, que a seguiram até uma casinha. Quando João e Maria se aproximaram, perceberam que as paredes da casa eram feitas de pão, que o telhado era feito de bolos e que as janelas eram de açúcar transparente. 

– Vamos provar – disse João – e fazer uma ótima refeição. Eu vou comer um pedaço do telhado, Maria, e você pode comer a janela, que deve ser bem doce. 
E assim João esticou a mão e quebrou um pedacinho do telhado, para ver que gosto tinha. Maria aproximou-se da janela e deu-lhe uma dentada. De repente, porém, eles ouviram uma voz fina vindo de dentro da casa: 

Ora, ora, ora. 
Quem rói minha casinha a esta hora? 
E os irmãos responderam: 
Não duvide por um momento que foi apenas o vento. 

E continuaram comendo. João, que tinha gostado muito do sabor do telhado, pegou um pedaço maior, e Maria arrancou uma fatia grande da janela, sentando-se para comê-la. Nesse momento a porta se abriu e uma velha saiu de lá de dentro apoiada em uma bengala. João e Maria ficaram assustados e derrubaram a comida no chão. A velha, porém, sacudiu a cabeça, dizendo: 
 – Ah, crianças, como vão vocês? Entrem e me façam companhia. Está tudo bem. 

A velha pegou as crianças pela mão e levou-as para dentro da casa. Serviu-lhes leite e panquecas com açúcar, maçã e castanhas. A seguir, mostrou-lhes duas camas. João e Maria se deitaram, achando que estavam no céu. 
Embora parecesse boa, a velha era na verdade uma bruxa má que vivia à espera de crianças e havia construído aquela casa com o objetivo de atraí-las. Assim que as crianças entravam, ela as matava, cozinhava e comia. Os olhos da bruxa eram vermelhos e ela não enxergava muito bem, mas tinha um olfato excelente e sabia muito bem quando havia seres humanos por perto. Quando percebeu que João e Maria estavam se aproximando, soltou uma gargalhada e disse, triunfante: 
– Eu os peguei. Eles não vão escapar. 

Na manhã do dia seguinte, antes que as crianças acordassem, ela foi vê-los. Os irmãos dormiam tranquilamente e tinham as bochechas rosadas. 
– Que banquete eu vou ter! – a bruxa exclamou. 
Ela agarrou João com sua mão ressecada e levou-o para um pequeno estábulo, trancando-o atrás de uma grade. Não adiantou o menino gritar. Então ela voltou para a casa e começou a sacudir Maria, gritando: 
– Acorde, preguiçosa. Vá pegar água e cozinhe alguma coisa gostosa para o seu irmão. Ele está lá fora no estábulo e precisa engordar. E quando ele estiver bem gordinho vou comê-lo. 
Maria pôs-se a chorar, mas não adiantou nada. Teve de fazer o que lhe ordenara a bruxa má. 
E foi assim que a melhor comida foi servida para João. Para Maria sobraram apenas cascas de caranguejos. Todas as manhãs a bruxa ia ao estábulo e gritava: 
– João, ponha o dedo para fora para eu ver se você já engordou. 

João, no entanto, mostrava-lhe um ossinho, e, como a velha enxergava mal, achava que o menino continuava magro. Ela não entendia por quê. Depois de quatro semanas, perdeu a paciência. 
– Maria, vá logo pegar água – ela gritou para a menina. Esteja gordo ou esteja magro, amanhã vou matá-lo e comê-lo. 
Oh, que agonia para a pobre Maria ter de pegar água para cozinhar o próprio irmão! Lágrimas rolaram por seu rosto. 
– Por favor, meu bom Deus, ajude-nos. Se tivéssemos sido devorados pelas feras da floresta, pelo menos teríamos morrido juntos. 
– Deixe de lamentações – protestou a velha. – Elas não servem para nada. 

Na manhã seguinte, Maria teve de se levantar bem cedo, acender o fogo e encher a chaleira. 
– Primeiro vamos fazer o assado – a velha disse. – Já aqueci o forno e sovei a massa. 
Ela empurrou Maria na direção do forno, onde as chamas brilhavam. 
– Entre – ordenou a bruxa – e veja se está bem quente para assar o pão. 
Assim que Maria entrasse no forno, a bruxa pretendia fechá-la lá dentro para assá-la e comê-la também, mas Maria percebeu suas intenções e disse: 
– Eu não sei fazer isso. Como é que se entra no forno? 
– Garota burra – a velha respondeu. – A abertura é bem grande, não está vendo? Até eu consigo entrar. – E a velha esticou o tronco e pôs a cabeça na boca do forno. Então Maria deu-lhe um empurrão, enfiou-a lá dentro e trancou a porta. A velha urrou! Mas Maria saiu correndo e deixou a bruxa má assando. Foi direto até onde estava João e soltou-o. 
– João, estamos livres. A bruxa velha está morta. 

Tão logo a porta se abriu, João saiu de sua prisão. Como os dois estavam felizes! Eles se abraçaram e começaram a dançar. E como não havia nada mais a temer, vasculharam a casa da bruxa. Encontraram caixas de joias com pérolas e pedras preciosas por todos os cantos. 
– Isto é muito melhor do que pedrinhas brancas – João constatou, enchendo os bolsos, enquanto Maria, pensando que também deveria levar algumas para casa, começou e encher o avental. 
– Agora vamos tentar sair da floresta da bruxa – propôs João. 
Depois de algumas horas de caminhada, surgiu um rio imenso. 
– Não vamos conseguir atravessar – João disse. – Não estou vendo pedras nem ponte. 
– Não há nenhum barco também – Maria acrescentou. – Mas veja ali um pato branco! Se eu pedir, ele vai nos ajudar. Maria gritou: 

Pato, pato, aqui estamos, 
João e Maria, na margem do rio. 
Não temos pedras nem ponte, 
leve-nos em seu dorso branco. 

O pato se aproximou. João montou nele e chamou a irmã. 
– Não – Maria disse. É peso demais para o pato. Vamos separados, um depois do outro. 

E assim eles se arranjaram e cruzaram o rio. Depois de um tempo a paisagem começou a lhes parecer familiar. De repente, avistaram a casa do pai a distância. Os dois irmãos correram até lá, entraram esbaforidos e se agarraram ao pescoço do pai. O homem não tivera um minuto de sossego desde que deixara os filhos na floresta; a mulher tinha morrido. 
Maria abriu seu avental, espalhando as pérolas e as pedras preciosas pelo chão. E João pegou outro punhado delas no bolso. Assim tudo ficou resolvido, e ao final eles viveram juntos e felizes.


 _________________
História completa de João e Maria encontrada no livro: Once Upon a Time - Uma antologia de contos de fadas. 
Para ler mais sobre contos de fadas, é só acessar a tag Era uma vez (aqui).

11 comentários

  1. Muito interessante essa tag, curti mesmo, original e criativa, parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  2. Oi, Monique!

    Eu gosto muito a história de João e Maria! Ainda bem que no final deu tudo certo, os momentos de dificuldade não são e nunca serão um motivo para abandonar os filhos!

    Beijo
    - Tamires
    Blog Meu Epílogo | Instagram | Facebook

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  3. É um dos meus contos favoritos!

    http://www.gotasdecafe.com.br/

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  4. E muito fácil de fazer também :D

    Adorei o conto. Que lindo e que mágico :)

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    InstagramFacebook Oficial PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  5. ^u^ Gosto dessa histórias nas versões antigas! Ficou muito bem contada essa do João e Maria.
    Crazy and Kawaii Desu

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  6. Adorei a história do João e Maria, nessa versão. bem, na verdade eu gosto muito do tipo de post que você faz em seu blog! <3 <3

    Beijo! {aqui é a Kayla do blog Julieta sem Romeu, o blog mudou de nome e lá explico tudinho :}
    Cacheada Sim!

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  7. Este conto é ótimo. Amo! Sou professora e sempre trabalho ele com meus alunos, pois a partir dele da pra se alcançar inúmeros objetivos!
    Bjos

    http://aquelaepifania.blogspot.com.br/

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  8. Oi :D
    Que delícia, nunca tinha lido o conto, acredita?
    Amei!

    @saymybook
    saymybook.blogspot.com

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  9. Bonita história!

    Isabel Sá
    http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

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  10. Foi ótimo reler esse conto tão conhecido.
    Obrigado por publicá-lo!
    Boa semana!

    http://jj-jovemjornalista.blogspot.com.br/

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  11. Adorei!!
    Esse conto é legal demais, muito bom.
    Beijos
    http://masenstale.blogspot.com.br/

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Espero que tenha gostado da postagem. Também vou adorar ler sua opinião.
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